CODFISH WATERS

Reading tea leaves

Posted in Portugal by António Luís Vicente on 16 Abril, 2008

Três meses e meio:

  • Substituição do ministro da saúde a meio de uma reforma e não apenas por razões de estilo, como ficou claro no caso de Anadia e outros;
  • Cedência aos sindicatos dos professores, que simpaticamente autorizaram uma avaliação pouco digna desse nome – isto após um inquérito da eurosondagem no qual 64% da população era contra a suspensão da avaliação e 84% considerava que os professores não deviam fazer mais greves; 
  • Aplicação residual do quadro de mobilidade especial enquanto instrumento de redução do número de funcionários públicos, que tem sido substituido por novos e caros planos de reformas antecipadas; 
  • Primeira descida de impostos desde pelo menos 2001, com o corte de 1 p.p. no IVA.

Como já foi referido por muitos, estes sinais sugerem uma travagem nas reformas e o início da campanha eleitoral de 2009. O dilema de Sócrates é o dilema de todos os políticos perante o ciclo eleitoral: persistência, pondo em risco maioria absoluta, cedência, pondo em risco resultados obtidos. Mas como a ciência política não é uma ciência, são tantas as excepções que é difícil afirmar regras. Guterres, por exemplo, poderá ter falhado a maioria absoluta mais pelas cedências do que pela firmeza. As últimas semanas mostram uma tendência para uma postura menos restritiva. Veremos o que os próximos meses nos reservam, porque também existem acções de sinal contrário. Mas o verdadeiro problema de Sócrates é que nenhum primeiro-ministro subiu tanto a parada em relação à disciplina orçamental, pelo que se houver um deslize, a queda de credibilidade será mais acentuada. Um problema relevante mas menos importante, mais do teatro político, é que Sócrates tem um talento natural para dar más notícias, para estar mal disposto, mas não é muito convincente a dar boas notícias e a distribuir benesses. 

Penso que neste momento Sócrates acha que pode ter o bolo e comê-lo, o que é ilustrado pela forma como justificou a descida do IVA: a ideia de que se pode aliviar os portugueses um bocadinho porque o deficit está mais controlado. O primeiro ministro acha que conquistou uma almofada ou folga, que faz com que possa ser “severo”, mas não tanto como no passado, e “simpático”, mas não tanto como o PS quer. Esta estratégia é arriscada porque em política as posições cinzentas até podem ser correctas mas são sempre mais ambíguas. E quando as posições são ambíguas gera-se uma tendência para a intensificação da pressão política e para as guerras de bastidores no governo. Poderá bastar a conjugação de um menor controlo de Sócrates sobre a despesa pública com um acentuar da crise internacional para que esse inesperado deslize se dê, pondo em causa o trabalho do governo e, mais importante, o esforço que o país fez nos últimos anos. 

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